domingo, 17 de abril de 2011

“Ò ramos, ò ramos, na Páscoa estamos!”

Há palavras que cheiram que nem rosas acabadas de abrir no acordar da primavera.
Há frases que cheiram que nem jardins acabados de regar numa destas manhãs do sol português.

“O DOMINGO DE RAMOS” é dessas expressões que me fazem arrepiar de uma indescritível nostálgica embriaguez pois me transportam lá para trás, até aos tempos de criança em que palavras como “quarenta horas” ,“quarta feira de cinzas”, “quaresma”, “jejum”, “Semana Santa” tinham um peso dramático e fundo, sacrificial é certo, mas de uma simbologia renovática que nos fazia renascer de novo no “sábado aleluia” para a alegria pascal!

Mas, de todo o ritual sagrado e transformante do “tríodo pascal”, “O DOMINGO DE RAMOS”, simbolizava para mim o perfume de Deus! Os odores fecundantes saltam para o céu azul do Abril primaveril e libertador, aproximando os pólos opostos ao grito fecundo da procriação, e, assim, assegurando a imortalidade do universo inteiro e divino. E eis-me em criança, nesse dia dos odores celestiais do “DOMINGO DE RAMOS em Penude” em que eu e tantos outros meninos, não hebreus, mas de Penude, (como o Alcides o Leonel Claro, o Manel Pinto, o Avelino Maravilha, o João Carola, o Aníbal carola, O Gil, o Arcílio, os meus irmão Carlos, Isidro, a Fátima, e tantos outras crianças que o foram em Penude) logo na semana que antecedia “O DOMINGO DE RAMOS”, corríamos numa azáfama saltitando de lameiro em lameiro, à procura de ramos de alecrim, oliveira, loureiro, lírios amarelos (que nem abelhas saltitando de flor em flor de abelhas na azáfama da produção desse néctar do deuses). Com esse material inventávamos mil e uma formas de RAMOS para, triunfantemente, entrarmos orgulhosamente igreja dentro para a guarda de honra de um “cero Galileu” que uns dois mil anos antes, apesar de ter passado a vida a fazer o bem foi crucificado pelos seus logo após a sua recepção triunfante na sua cidade (qual ironia e contradição da humanidade!).
E que formas! E que tamanhos! E que combinações tinham estes RAMOS! Havia ramos em forma de coração e outros em forma de cruz bem demonstrativos dos artistas da terra! Outros, era o que se podia ou seja, mais pareciam aquelas vassouras de giesta piorna que se usavam nas malhadas para varrer os grões de trigo ou centeio caídos na eira (apesar desta ser previamente cimentada de bosta de “baca” para que nada se perdesse de pão!). Outros RAMOS eram tudo menos ramos, dada a descomunal altura e largura que nem os maiores castanheiros dos mil e um soutos de Penude (que a moléstia depenante do “progresso a todo o custo” já quase tudo levou).

Obviamente que não resisto a falar destas ultimas obras primas do orgulho das gentes de Penude, particularmente de Penude de Baixo! Estes ramos que nem árvores só tinha um problema para os seus artistas: entrar na porta principal da nossa Igreja Paroquial de Penude! Aqueles tamanhos descomunais da mais improvisada engenharia penudense, quando chegava o momento (quase sempre angustiante porque tudo era de improviso) da entrada triunfante no templo santo, fazia lembrar a vertiginosa entrada do andor de Nossa Senhora do Rosário na capela do Outeiro, em que a coroa da “virgem santa” roçava quase até aquelas magníficos sinos altaneiros que dominam todo aquele vale).
A lembrança que tenho é que aquela procissão de árvores ambulantes vindas de Penude de Baixo mais parecia a serra das Meadas a caminho da “santa missinha dominical, como manda a Santa Madre Igreja para todos os domingos e dias santos de guarda”!

A verdade é que mal entrava o cortejo festivo, com o Senhor Abade (Pe. Manuel Rodrigues Borges) paramentado de tons festivos mais os acólitos e demais figurantes, já a Igreja estava repleta de verde e mais verde e sagradamente perfumada a alecrim, louro, e muitas flores, transformando aquele espaço sagrado no mais genesíaco jardim do eden, donde não apetecia sair mais!
Toda esta beleza terrena com sabor a céu, era depois completada com o cheiro a incenso espalhado pelo fumo santo purificado no fogo ardente do turíbulo das brasas.

Mas os momentos mais altos e gloriosos aconteciam eram a leitura do Evangelho da paixão, segundo S. Mateus (uma dor de alma para nós, pequenada, ouvir naquela voz majestosa do Pe. Borges, o tanto de mal que fizeram Àquele jovem galileu que passou o mundo a fazer o bem) e sobretudo o momento da bênção dos RAMOS, em que do ensope e da caldeirinha eram despejadas pingas e mais pingas de água benta espalhadas, que escorriam voluptuosamente sobre aquela floresta santa de RAMOS e as nossas cabeças completamente em êxtase! Nesta azáfama sobrenatural da benzedura ramalhítica, por vezes aconteciam alguns atropelos do moveu, estendendo seus ramos ao chuvisco bento (pois quanto mais agua mais sagrado iam os ramos para endeusar as casas e Sta. Bárbara melhor valer em idus de tempestade medonha!).

No final lá ia a pequenada toda para suas casas com os seus ramos (agora santificados) e os ramos para as casas dos avós ou velhinhos que não podia já ir à Igreja, cabendo à pequenada fazer a boa obra, para que ninguém ficasse sem o “ramo Santo”.

E pronto, “ò ramos ó ramos, na Páscoa estamos”

Boas festas pascais para todos.
Filipe Lamelas

1 comentário:

  1. É verdade, depois dos Ramos, na Páscoa estamos. Gostei muito do texto. De facto não há melhor aperitivo para a memória do que os "cheiros". Os odores ajudam-nos a reter e a reviver experiências. O alecrim e o louro dos nossos ramos, num tempo em que ainda não andávamos encharcados de perfumes artificiais, enchiam esse domingo do aroma de uma santidade que não está no passado.

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