domingo, 25 de novembro de 2012

Á CASA DE MEU AVÔ





 «Aquela casa…tão calada num silêncio tão barulhento! Vestida tão simples, mas numa simplicidade tão quente! Aquela casa esconde vidas sem conta (só ficando ela para contar). Aquelas paredes escondem palavras sábias brandas, outras vezes fortes até ao grito. Ali passaram e passam gerações. Geração última que passa agora e em que vou, por onde minha infância correu, gastando a minha parte do chão daquela casa, nas correias com um bando de primos numa chilreada…
 Como será que seria esta casa antes da minha vez de a pisar? Não sei. Não sei nem me interessa. O que sei é o que mostra, até nas suas cicatrizes do tempo que passa, dá para ver outras coisas grandes e misteriosas que ela não diz…Vidas inteiras estão ali. Não apenas uma, mas muitas vidas. Infâncias e velhices se partilharam ali. Sempre calada, sem se importar. Até fazer questão! Uma caixa de segredos é, aquela casa.

Tão escura e velha ela está, aquela casa. Tirando Agostos, Natais e Páscoas ela é, agora, pouco mais que uma vida, e que vida, (a vida quase secular do meu avô e as boas vidas dos seus inúmeros gatos, cão, cabritos, cavalo e uns …ratos do campo! Quando era pequena, aquela enorme casa servia de tudo! De escritório, consultório, dentista, passerelle…Até dizem que o meu avô lá deu aulas de “apicultura” (é possível pois ele até colmeias tem, na quinta da casa!).
Conheço cada canto daquela casa como a palma da minha mão. Quartos pequenos como os grãos de areia e escuros, misteriosos. Rara é a vez de que me lembro de ver naqueles quartos a claridade do que o circula mas, se fechar os olhos mostram-me tantas histórias, algumas até encantadas! Atafulhados de caixas e livros, só pode ter a ver com gente que tudo aquilo usou. E em cada canto daqueles quartos, corredores e salas havia uma linda e longa teia, tecidas por horrendas artistas (meu grande filme de terror da minha infância). Tantas vezes gritei e chorei ao ver aquelas teias penduradas nas toscas pedras das paredes graníticas. Quietíssimas, silenciosas, silenciosas, indiferentes. Agora ainda lá estão e tento agora ser eu a indiferente…Tento! É verdade que continuo a não gostar de aranhas…mas também elas não nos fazem mal nenhum! Ok, são as minhas irmãs aranhas, como dizia S. Francisco de Assis. Como me diziam ‘Elas têm mais medo de ti do que tu delas!”

Mas aquela casa não é só isso, não. Fala dentro e fala fora. Ao espaço exterior chamamos-lhe quinta, a “quinta do avô". E é tão verde, tão viva (cheia de uma data de espécies de animais). Seu ar sempre fresco e suave, e doirado no tempo do verão. Por vezes parece o céu, pois está cheio de ovelhas. Tanto que me diverti naquele sítio. Tantos bonecos de neve foram lá feitos e equitação (não equitação verdadeira porque meu avô só tinha póneis e burros). É realmente um espaço fantástico. Gostava que visses. Divertir-te-ias imenso. Mas é um local que é bom de se visitar em silêncio e sozinho. No silêncio é que ouves as vozes do passado e sentes as brisas do passado. É realmente fantástico. Aquela casa, que agora quase é uma ruína, ainda sorri. Apesar do tempo e do seu estado, pode bem dizer que, viveu bem e grandiosamente.

  Tanta alma nesta casa, na casa do meu avô! Sinto uma nostalgia dos tempos em que nada importava (nem as horas, nem os livros, nem as matemáticas, nem do futuro): Tempos em que corria atrás dos sonhos, no pique da felicidade no cenário daquela casa.
Ainda tenho hoje, aquela casa toda. Aprendi quase tudo dela. Agora são apenas memórias de um passado distante que não voltará eu sei, mas que sabe bem relembrar no coração meu e demais familiares.

A casa de meu avô.

Rita Xerez Lamelas»