Todos lembramos a famosa história da cigarra e da formiga que líamos nos nossos livros de criança. No passado, a fábula de La Fontaine era contada para ensinar pequenos e graúdos que “quem não trabuca não manduca”, isto é, “quem não trabalha não come”. Nesta ordem de valores a laboriosa formiga era apresentada como modelo de vida a imitar. Pensava-se que o homem viera ao mundo para trabalhar, e via-se mesmo neste destino uma pena sentenciada na sequência do pecado de Adão: “comerás o pão com o suor do teu rosto”. Neste mesmo contexto, a cigarra personificava o vício da preguiça e, portanto, o exemplo a não seguir. A moral da história era então muito clara: “Quem bem trabalhou, melhor descansou” ou “a preguiça colhe o que merece”. O livro bíblico dos Provérbios confirma estes ditados do nosso povo, quando diz: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, observa o seu proceder e torna-te sábio: a formiga não não tendo chefe, nem capataz, nem mestre, no verão faz a provisão do seu mantimento, e ajunta o seu alimento no tempo da ceifa. Até quando dormirás tu, ó preguiçoso? Quando te levantarás do teu sono? Passas o tempo a dormir, cruzas os braços para descansar; assim a indigência cairá sobre ti como um salteador” (6,6-11).
Em evidente contraste com este elogio da formiga e do trabalho, nos nossos dias multiplicaram-se as novas versões da velha fábula em que os papéis e os valores se invertem. Agora é a Cigarra que aparece como modo de vida por todos invejado. Se na versão antiga se dizia “não guardes para amanhã o que podes fazer hoje”, nas novas versões corrige-se o rifão, dizendo: “não deixes de para amanhã o lazer de hoje”. Em abono desta compreensão típica dos nossos tempos, poderíamos citar também um passo bíblico, onde se diz que «mais vale um punhado de lazer do que duas mãos cheias de esforço atrás do vento» (Ecl. 4,6).
Afinal quem tem razão, a cigarra ou a formiga? Os nossos contemporâneos ou os antigos?
Na verdade, nenhuma deste, pois o trabalho é importante, mas nós não podemos viver só para o trabalho, nem a adiar a vida com a obsessão de acumular riquezas para garantir o futuro que nãos nos pertence. Por isso existe, tanto no Judaísmo como no Cristianismo e Islamismo existe “o dia do repouso”, como o mais importante dia da semana: Para nos lembrar que o “sábado (ou o domingo) é para o homem” e não é o homem que é para o sábado ou para a semana de trabalho. Mas também se deve evitar o exagero oposto da cigarra que só vive para desfrutar do hoje, num carpe die sem projecto nem compromissos. Não somos máquinas de trabalho e, por isso, temos direito aos descanso, ao lazer e ao cultivo das coisas belas; mas também não podemos ser parasitas sociais nem pretender viver em permanente ócio, como se neste mundo vivesse-mos já no “descanso eterno”.
A famosa fábula mostra-nos que todos nós temos direito de ser cigarra e formiga e que há um tempo para trabalhar e para repousar, para semear e para colher e celebrar, um tempo para “lutar pela vida” e um tempo para concelebrar a vida e partilhar nosso bens com os outros. Mais ainda, se a cigarra nos ensina que devemos confiar na Divina Providência, a Formiga ensina-nos que esta confiança não dispensa o nosso esforço e colaboração na obra e no Reino de Deus. Devamos, sim, trabalhar como se tudo dependesse de nós e confiar sempre como se tudo dependesse de Deus. Por fim, a singela história remete-nos ainda para uma outra lição: Ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar, nem tão rico que não tenha algo para receber. Por isso, quem tem mais meios, mesmo que os tenha amealhado à custa do seu honrado trabalho, não pode simplesmente escondê-los e considerá-los “seus”, já que Deus lhe deu tais dons para partilhar com quem tem menos. Por outro lado, estes últimos, não podem querer simplesmente receber ou exigir, pois também a eles Deus pede que partilhem o que são e os talentos que têm. Ninguém deve, pois, ter vergonha de, como a cigarra, “bater à porta” a pedir ajuda, assim como ninguém deve fechar a sua porta, podendo ajudar.
Neste tempo de férias e de crise, faz-nos bem reler a fábula à luz da Escrituras Inspiradas que nos dizem, por um lado que o trabalho é “uma bênção de Deus” (Ecl 3,13) e que todos devemos “fazer render nossos talentos” (Mt 25, 14ss.); mas que também nos avisa, pela boca do próprio Jesus, que “não nos devemos inquietar com o que havemos de comer ou vestir, pois a vida é muito mais que o alimento… nem com o dia de amanhã» (cf. Mt 6, 25-31).
Isidro P. Lamelas
Bravo meu irmão!É bom que alguém nos vá chamando à atenção, no meuio de tantas distracções, de merecimento tantas vezes duvidosas!É a história dos tais "lírios do campo"...
ResponderEliminarAbraço.
filipe lamelas